A BAHIA É TUDO ISSO E MAIS ALGUMA COISA. VENHA VER DE PERTO

                                                             NÃO QUERO SER BAIANO  
 
> Meu nome é Elilson Cabral, sou de uma pequena cidade no interior do
> Rio Grande do Sul chamada Capão da Canoa e estava cansado de ouvir falar dos
> baianos e de sua "Vasta Cultura". Não suportava mais ouvir nos veículos de
> comunicação o quanto a Bahia era perfeita, suas praias paradisíacas, seus
> artistas infindos. Cansei de ouvir: Baiano não nasce, estréia.
> Olhava pro rosto do povo Rio Grandense e via neles tanto ou mais
> "cultura" que nos baianos: a Bocha, a Milonga, a Guarânia, o chimarrão e não
> só as danças, ritmos ou indumentárias, mas toado sentimento que exalava do
> nosso cotidiano. "Cultura", isso nós tínhamos, e tínhamos mais e melhor.
> Afinal, o que o mundo via na Bahia que não via em nós? 
> Resolvi então descobri o que é que a Bahia tem. Tirei dois anos da
> minha vida para conhecer a Bahia e toda sua "Cultura", para poder mostrar
> pra o Brasil que existimos e que somos tão bons quantos qualquer outro brasileiro
> No dia 03 de Outubro de 1999 desembarquei no aeroporto Luiz Eduardo
> Magalhães, e logo de cara, ao contrário de baianas com suas roupas pomposas
> e suas barracas de acarajé, dei de cara com um taxista mal humorado porque
> tinham lhe roubado o aparelho celular.
> começava então minha árdua luta pra provar que baiano, como qualquer
> um outro brasileiro, nascia de um ventre e não de traz das cortinas. 
> Alguns quilômetros à frente já estava tentando arrancar do taxista
> as informações que pudessem servir de base para minhas teorias, afinal eu
> precisava preencher uma série de lacunas sobre os baianos e suas baianícer
> Seu Ivo, era como se chamava o simpático taxista, falava sem parar.
> Com uma voz de ritmo pausado e sem pressa para me explicar, ia ele
> contando-me toda história de Salvador e sua política: 
> - Ah! Essa política é uma "fuleiragem". É sempre eles nos roubando e
> a gente votando nos mesmo sacanas que nos roubam. 
> Me chamou a atenção como ele não media palavras para definir os seus
> governantes, mas, até então, nada na Bahia me encantara. Nada de magia, nada de beleza
> Chegando no hotel onde ficaria durante esse período fui então
> programar minhas estratégias e resolvi logo ir ao local mais badalado da
> Bahia, O Pelourinho. 
> Chegando no bairro, mais uma vez nada de surpresa. Casas antigas,
> pessoas e cabelos trançados, espichados, alisados, pintados, enfim, coisas
> da Bahia. Senti um cheiro muito forte de dendê (ao menos eu achava que era
> dendê), nunca sentira aroma igual. 
> Então avistei numa varanda pequena uma senhora e duas crianças que
> brincavam de aprender a fazer acarajé. Parei e fiquei olhando tentando
> colher informações para meu "dossiê".  Entra  seu moço
> Foi o que logo ouvi. Meio sem jeito fui logo pra perto do fogão. O
> cheiro era cada vez mais forte e envolvente. 
> - O senhor quer um?
> - Claro,  ia perder a oportunidade de comer a iguaria baiana mais famosa e
> poder dar meu parecer a respeito? Jamais.
> Dei a primeira mordida e senti-me como se tivesse numa fornalha.
> Aquilo queimava, ardia e... pasmem ! Era muito gostoso. Tentava parar de
> comer, mas quanto mais tentava, mais me lambuzada com aquele recheio que
> eles chamavam de VATAPÁ. Delicioso! 
> Enfim a Bahia tem algo de bom, mais é isso que encanta na Bahia? Bem
> vou encurtar minha história para que vocês leitores dessa revista não fiquem
> entediados. 
> Passei dois anos viajando por toda Bahia, suas praias paradisíacas,
> ouvindo e vendo seus artistas, e saboreando de sua cultura e consegui chegar
> a um denominador comum. Consegui alcançar o tanto procurava: Enfim, os
> baianos não são melhores que nós gaúchos. Na realidade somo até mais
> civilizados que eles, porém, uma coisa nesses dois anos me chamou a atenção.
> Vou dizer-lhes qual foi.
> Ao voltar para minha linda cidade no interior do Rio Grande do Sul
> senti-me como se estivesse pousado no meu planeta e logo escrevi um artigo
> pra uma revista falando da minha "descoberta". Depois de publicada fique de
> bem comigo mesmo e com minha terra. Agora sim, estou leve. 
> Agora sim? Ainda não!
> Passei os meus dias tentando entender porque sentia tanta falta da
> Bahia, porque sentia falta de meu vizinho Dorgival, do rapaz que passava
> vendendo sacolé, do João da barraca de água de coco, meu Deus porque esse
> vazio? Foi então que descobri o que é que a Bahia tem.
> Sem pretensão de ofender aos meus, digo-lhes que, jamais verei nos
> sorrisos gaúchos a beleza da sinceridade baiana.
> Jamais sentirei nas percussões de cá o pulsar dos meninos negros de
> pés descalços que "oloduavam" sem ter medo da dureza futura. Jamais terei no
> abraço de meus parentes o calor que sentia ao ser abraçado pela vendedora de
> cocada de araçá que toda tardinha teimava em insistir pra que eu comprasse
> mais uma. Jamais sentirei nos territórios daqui, o cheiro de dendê. Puxa, o
> dendê que nem mesmo sabia o seu cheiro e o reconheci assim, de pronto. 
> Queridos conterrâneos, na nação de lá eles andam descalços, mesmo os
> adultos, e não é por não terem calçados. Eles gostam de viver assim. A chuva
> não é apenas suprimento e fartura, é diversão. Quantas vezes corri pela
> chuva com o André, filho de Dona Zete, seguindo o caminho que ela fazia no
> meio da calçada.
> Amigos, naquela nação os cabelos são como roupas, as roupas são como
> armas e as armas são os instrumentos que levam uma multidão para uma batalha
> que dura 7 dias e que sempre acaba em vitória para ambos os lados. 
> Uma cabaça é motivo de festa, um fio de arame motivo pra luta (de
> capoeira), dois homens juntos é motivo pra samba, pagode, e festa. E, pasmem
> queridos patrícios, eles trabalham, e muito,! No tabuleiro de cocada, na
> frente de um volante, com uma baqueta nas mãos, trabalham sim.
> Não quero ser baiano! Sou gaúcho! Sou brasileiro! Mas nunca imaginei
> que conheceria um Brasil que jamais pensei achar, exatamente na Bahia,
> exatamente lá, do outro lado, na outra nação..
> Não quero me separar deles, não quero perder o direito de dizer que
> sou brasileiro e que tenho a Bahia como pedaço de mim. 
> Não quero ser baiano, mas mesmo assim não consigo não ser.
> Jamais saberia que seria necessário ir à Bahia para conhecer o Brasil
> Elilson Nunes Cabral Filho 
> Jornalista