Dinheiro
ilegal doado para candidatos dentro da lei é crime? É a primeira questão
levantada pela delação premiada do dono da UTC
Ricardo Pessoa revela detalhes do esquema de
corrupção da Petrobras e entrega a lista dos beneficiados com o dinheiro
desviado: as campanhas eleitorais de Dilma e Lula, deputados, senadores e
ministros do governo (VEJA.com/VEJA).
O engenheiro Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, tem contratos
bilionários com o governo, é apontado como o chefe do clube dos empreiteiros
que se organizaram para saquear a Petrobras e cliente das palestras do
ex-presidente Lula. Desde a sua prisão, em novembro passado, ele ameaça contar
com riqueza de detalhes como petistas e governistas graúdos se beneficiaram do
maior esquema de corrupção da história do país.
Nos últimos meses, Pessoa pressionou os
detentores do poder - por meio de bilhetes escritos a mão - a ajudá-lo a sair
da cadeia e livrá-lo de uma condenação pesada. Ao mesmo tempo, começou a negociar
com as autoridades um acordo de delação premiada. o empresário se recusava a
revelar o muito que testemunhou graças ao acesso privilegiado aos gabinetes
mais importantes de Brasília. O Ministério Público queria extrair dele todos os
segredos da engrenagem criminosa que desviou pelo menos 6 bilhões de reais dos
cofres públicos. Essa negociação arrastada e difícil acabou na semana passada,
quando o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou
o acordo de colaboração entre o empresário e os procuradores.
VEJA
teve acesso aos termos desse acerto. O conteúdo é demolidor. As confissões do
empreiteiro deram origem a 40 anexos recheados de planilhas e documentos que
registram o caminho do dinheiro sujo. Em cinco dias de depoimentos prestados em
Brasília, Pessoa descreveu como financiou campanhas à margem da lei e
distribuiu propinas. Ele disse que usou dinheiro do petrolão para bancar
despesas de 18 figuras coroadas da República. Foi com a verba desviada da
estatal que a UTC doou dinheiro para as campanhas de Lula em 2006 e de Dilma em
2014. Foi com ela também que garantiu o repasse de 3,2 milhões de reais a José
Dirceu, uma ajudinha providencial para que o mensaleiro pagasse suas despesas
pessoais. A UTC ascendeu ao panteão das grandes empreiteiras nacionais nos
governos do PT. Ao Ministério Público, Pessoa fez questão de registrar que essa
caminhada foi pavimentada com propinas. Altas somas. O empreiteiro delatou ao
STF essas somas que entregou aos donos do poder, segundo ele, mediante achaques
e chantagens. Relatou que teve três encontros em 2014 com Edinho Silva,
tesoureiro da campanha de Dilma e atual ministro de Comunicação Social. Nos
encontros, disse, ironicamente, ter sido abordado "de maneira bastante
elegante". Contou ele: "O Edinho me disse: 'Você tem obras na
Petrobras e tem aditivos, não pode só contribuir com isso. Tem que contribuir
com mais. Eu estou precisando'". A abordagem elegante lhe custou 10
milhões de reais, dados à campanha de Dilma.
Um
servidor do Palácio chamado Manoel de Araújo Sobrinho acertou os detalhes dos
pagamentos diretamente com Pessoa. Documentos entregues pelo empresário mostram
que foram feitos dois depósitos de 2,5 milhões de reais cada um, em 5 e 30 de
agosto de 2014. Depois dos pagamentos, Sobrinho acertou com o empreiteiro o
repasse de outros 5 milhões para o caixa eleitoral de Dilma. Pessoa entregou
metade do valor pedido e se comprometeu a pagar a parcela restante depois das
eleições. Só não cumpriu o prometido porque foi preso antes. Doar para campanhas
não é crime, desde que a operação seja declarada e os recursos tenham origem
lícita. Foi assim? Pessoa deixou claro que não. "O senhor tem obras no
governo e na Petrobras. O senhor quer continuar tendo?", disse-lhe Edinho
Silva. Fica a indagação para a Justiça: ameaçar doadores de campanha é lícito?
|
|
Valores
|
|
Campanha
de Dilma em 2014
|
7,5
milhões de reais
|
Campanha
de Lula em 2006
|
2,4
milhões de reais
|
Ministro
Edinho Silva (PT)
|
*
|
Ministro
Aloizio Mercadante (PT)
|
250.000
reais
|
Senador
Fernando Collor (PTB)
|
20
milhões de reais
|
Senador
Edison Lobão (PMDB)
|
1
milhão de reais
|
Senador
Gim Argello (PTB)
|
5
milhões de reais
|
Senador
Ciro Nogueira (PP)
|
2
milhões de reais
|
Senador
Aloysio Nunes (PSDB)
|
200.000
reais
|
Senador
Benedito de Lira (PP)
|
400.000
reais
|
Deputado
José de Fillipi (PT)
|
750.000
reais
|
Deputado
Arthur Lira (PP)
|
1
milhão de reais
|
Deputado
Júlio Delgado (PSB)
|
150.000
reais
|
Deputado
Dudu da Fonte (PP)
|
300.000
reais
|
Prefeito
de São Paulo Fernando Haddad (PT)
|
2,6
milhões de reais
|
O
ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto
|
15
milhões de reais
|
O
ex-ministro José Dirceu
|
3,2
milhões de reais
|
O
ex-presidente da Transpetro Sergio Machado
|
1
milhão de reais
|
* Como tesoureiro, arrecadou dinheiro para a campanha de Dilma de 2014