Vou tentar responder objetivamente e com a maior
simplicidade possível. Aqui no Brasil nós ainda falamos a língua portuguesa.
Temos, na minha opinião, um falar brasileiro, que seria um modo brasileiro de
usar a língua portuguesa. É
importante lembrar o que afirmaram alguns estudiosos: o professor Antenor
Nascentes não falava em língua brasileira e sim em “idioma nacional”; o mestre
Gladstone Chaves de Melo falava em língua comum e variantes regionais; e o
grande filólogo Serafim da Silva Neto afirmou que o português culto do Brasil é
quase igual ao português culto de Portugal. Isso significa, portanto, que as
diferenças maiores estão na linguagem do dia a dia.
No livro A língua portuguesa e a unidade do Brasil, o mestre Leodegário
de Azevedo Filho resume bem: “Em poucas palavras, existe unidade na variedade
de normas e de usos linguísticos. E isso porque, se os morfemas gramaticais
permanecem os mesmos, a língua não mudou, a despeito de qualquer variação de
pronúncia, de vocabulário ou mesmo de sintaxe.”
O que
existe na verdade são variantes linguísticas:
a)
variantes geográficas: nacionais (Brasil, Portugal, Angola…) e regionais (falar
gaúcho, mineiro, baiano, pernambucano…);
b)
variantes socioeconômicas (vulgar, popular, coloquial, culto…);
c)
variantes expressivas (linguagem da prosa, linguagem poética).
Quem
estiver interessado em ver o assunto analisado com maior
profundidade poderá consultar os respeitadíssimos
Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova
Gramática do Português Contemporâneo, e a Moderna Gramática Portuguesa do nosso querido e eterno
mestre Evanildo Bechara.
O
importante mesmo é respeitar as diferenças, sejam fonéticas, semânticas ou
sintáticas. Vejamos rapidamente algumas diferenças entre o português do Brasil
e o de Portugal.
Uma
diferença fonética bem perceptível é a pronúncia das vogais. Aqui no Brasil,
nós pronunciamos bem todas as vogais, sejam tônicas ou átonas. Em Portugal, a
tendência é só pronunciar bem as vogais tônicas. As vogais átonas são
verdadeiramente átonas (=fracas). Uma consequência disso é a colocação dos
chamados pronomes átonos (me, te, se, o, lhe, nos…). Em Portugal, por ter a
pronúncia fraca, não se põe o pronome átono no início da frase: “Dê-me um
cigarro”; no Brasil, como as vogais átonas são pronunciadas como se fossem
tônicas, não temos nenhuma dificuldade em pôr os pronomes átonos no início da frase:
“Me dá um cigarro”. É assim que o brasileiro fala. E quando me refiro ao
brasileiro, estou falando do brasileiro em geral, de todos os níveis sociais e
culturais. Não estou fazendo referência ao “povo” com aquela conotação
pejorativa e discriminatória que alguns ainda atribuem à palavra. Absurdo é
considerar “erro” o uso dos pronomes átonos no início da frase.
Diferenças
semânticas existem muitas. Algumas famosas já viraram até piada. Em Portugal,
“uma bicha enorme” não é nada mais do que “uma fila imensa”, sem nenhuma outra
conotação que algum brasileiro queira dar.
E
diferenças sintáticas também existem. No Brasil, nós preferimos o gerúndio
(“Estamos trabalhando”); em Portugal, preferem o infinitivo (“Estamos a
trabalhar”). No Brasil, gostamos da forma “você”; em Portugal, usam mais o
pronome “vos”: “Se eu lesse para você” e “Se eu vos lesse”. Aqui “falar consigo”
é “falar com si mesmo”; em Portugal “falar consigo” é “falar com você”. Em
Portugal, é frequente o uso de “mais pequeno”; no Brasil, aprendemos que o
certo é falar “menor”, que “mais pequeno” é “errado”.
E assim
voltamos ao ponto de partida: a eterna briga do certo e do errado. Espero que
me perdoem pela repetição, mas não é uma questão simplista de certo ou errado.
É uma questão de adequação. Usar “mais pequeno” no Brasil é tão inadequado
quanto iniciar uma frase com um pronome átono em Portugal. Por que eu teria de
afirmar que alguém está falando “errado” quando o carioca fala “sinal”, o
paulista prefere “farol” e o gaúcho usa “sinaleira”? Afinal das contas, é tudo
semáforo.