Marque no relógio: no tempo que
você levará para ler esta reportagem, pelo menos dois brasileiros sucumbirão ao
infarto, a causa de morte número 1 em nosso país e em boa
parte do mundo. Esse cenário catastrófico é motivado pelo descontrole de
fatores que patrocinam o entupimento das coronárias, as artérias que irrigam o
coração, como o excesso de peso, o tabagismo,
a pressão alta
e altas taxas de colesterol e glicemia. Porém, chama a atenção a persistente
lentidão com que as pessoas em geral (e, em certa medida, até profissionais de
saúde) suspeitam dos sintomas de algo crítico no peito.
Essa grave falha foi escancarada
por uma pesquisa do Imperial College London, na Inglaterra, recém-publicada no
jornal científico The Lancet. Os autores reuniram dados sobre todos os 135 mil
óbitos por ataque cardíaco que ocorreram na Inglaterra entre 2006 e 2010.
Eles descobriram que, em 16% dos casos, os indivíduos haviam visitado o
hospital durante o mês anterior com dores, desmaios ou falta de ar.
Mesmo assim, esses pontos de
alerta não foram suficientes para levantar a possibilidade de um evento sério
no coração. “O estudo destaca a importância de ficar atento aos sinais sugestivos
do problema, uma vez que uma em cada seis pessoas passaram por consulta e não
tiveram um diagnóstico correto”, analisa o médico Marcus Bolívar Malachias,
presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
É óbvio que as pontadas agudas no
peito são a face mais conhecida e comum do infarto. Mas nem sempre essa
sensação dá as caras. Aliás, um músculo cardíaco em parafuso se entrega por
outras vias também. “Entre elas, podemos citar dificuldades para respirar,
palidez, suor frio, náuseas, vômitos, tontura, confusão mental, perda de
consciência e dores difusas nas costas, nos braços e na mandíbula”, lista o
médico Agnaldo Píspico, da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo.
O estabelecimento deles está
relacionado à conexão entre diferentes estruturas do sistema nervoso que
transmitem o estímulo doloroso e a região atingida. Se a obstrução aconteceu na
porção inferior do coração, por exemplo, é natural experimentar desconfortos
como regurgitação e azia.
E olha que os sintomas menos
famosos são corriqueiros em alguns grupos específicos, a começar pelas
mulheres. Um levantamento do Centro Médico Regional de Lakeland, nos Estados
Unidos, concluiu que 42% das infartadas não sentiram uma dorzinha sequer no
tórax. “Elas também demoram em média uma hora a mais para ir ao pronto-socorro
em comparação com os homens”, observa o cardiologista Otavio Gebara, do
Hospital Santa Paula, na capital paulista. Para piorar, o aumento do estresse e
das incumbências com trabalho, casa e família elevou as estatísticas das doenças
cardiovasculares entre o público feminino nas últimas décadas.
Diabéticos e idosos são outros
perfis de gente que tem o colapso cardíaco sem manifestar sintomas clássicos. “O
diabete
danifica os nervos e altera a sensibilidade à dor”, explica o cardiologista
José Armando Mangione, do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. A
doença ainda modifica a configuração interna dos vasos sanguíneos e possibilita
o surgimento de coágulos que bloqueiam a passagem do líquido vermelho.
Nos mais velhos, o avançar das
décadas deixa o coração franzino. “Muitas vezes, só vemos que um paciente de 70
ou 80 anos infartou após alguns meses, no resultado de exames de rotina”, conta
o cardiologista Leopoldo Piegas, do Hospital do Coração, na capital paulista.
Quando, então, suspeitar que
sinais tão simples signifiquem um infarto sem virar hipocondríaco? A regra essencial
é ficar com a pulga atrás da orelha caso os incômodos sejam intensos e surjam
do nada. Quem possui histórico familiar de enfermidades cardíacas, fuma, está
acima do peso, hipertenso ou com o colesterol alto também deve ficar ligado. “É necessário
socorrer na primeira hora, pois esse é o momento em que ocorre a maioria das
mortes”, frisa o cardiologista Francisco Lourenço Junior, do Hospital Quinta
D¿Or, no Rio de Janeiro. Não tem jeito: para o relógio trabalhar a nosso favor,
rapidez é primordial. Só assim evitamos que o coração afunde em águas nada
tranquilas.